"Nunca
escrevi uma vírgula que não fosse confissão" - essa frase de Mário
Quintana exprime bem o "espírito" deste livro que, embora destinado
às crianças, deve agradar aos leitores de todas as idades. E o motivo é um só:
mais do que poemas criados para exprimir, por meio da sensibilidade estética,
uma realidade exterior ao poeta, eles exprimem sua vida interior, suas experiências mais introspectivas, sem prejuízo
do contexto em que fatalmente se inserem.
São
poemas da experivivência!
Poemas
da intimidade, mas uma intimidade compartilhada, traduzida como peças líricas
quase ingênuas, não fosse a lúcida consciência de mundo que deles emanam... E
esse mundo que, como sugere o título do livro, era para ser só do poeta, passa
a pertencer a todos aqueles que, como Quintana, sabem ler a realidade com os
olhos da sensibilidade.
No
livro encontramos versos com e sem rima, já que o que se valoriza é a melodia e
o ritmo frásico. Além desse aspecto de natureza formal, destaca-se um
tratamento peculiar do conteúdo, em especial algumas transgressões à lógica
racional ("O retrato na parede / Fica olhando para mim"), artifícios
estéticos que dão o tom lúdico e criativo dos poemas.
Nesse
sentido, pode-se dizer que Quintana – em particular neste delicado Só meu – dispensa rebuscamentos
linguísticos e opta pelo imaginário poético, não hesitando em confessar seus mais íntimos
"segredos", como nesse sensível “O auto-retrato”:
“No retrato que me faço
- traço a traço –
Ás vezes me pinto nuvem
Às vezes me pinto árvore...” (p.
11)
Como
sugerimos acima, embora o livro tenha sido escrito para o leitor-mirim,
certamente agrada também à sensibilidade - e à maturidade! - dos leitores
adultos. Mas a própria ideia de que foi escrito para criança é relativa, uma
vez que os poemas que compõem seu livro foram retirados de outras obras de sua
autoria, já publicadas anteriormente. Veja-se, a título de exemplo, esse
contundente e “filosófico” poema, intitulado “Tão lenta e serena e bela”:
“A vaca, se cantasse,
Que cantaria?
Nada de óperas, que ela não é
dessas, não!
Cantaria o gosto dos arroios
bebidos de madrugada,
Tão diferente do gosto de pedra
do meio-dia!
Cantaria o cheiro dos trevos
machucados.” (p. 15)
Decerto,
analisando-o em sua substância “ideológica”, parece-nos muito mais apropriado a
um leitor adulto do que a uma criança... Do mesmo modo, quanto não há de
profundidade “existencial” nesse profundo poema (“Sempre”) composto de apenas
um dístico:
“Sou o dono dos tesouros
perdidos no fundo do mar.
Só o que está perdido é nosso
para sempre” (p. 21).
Com
este encantador Só meu Mário Quintana
confirma sua condição de um dos poetas mais sensíveis e profundos de toda nossa
recente literatura!
Referências
QUINTANA, Mário. Só meu. São Paulo, Global, 2007.
Foto de Dulce Helfer